Rédeas para a inteligência artificial

O Parlamento Europeu aprovou a mais ampla e dura legislação do planeta sobre o uso da inteligência artificial (IA). A decisão do bloco de conter os danos colaterais causados pela nova tecnologia certamente servirá de referência a outros países. Com a proteção de seus cidadãos e do próprio sistema democrático como prioridade, os legisladores europeus resistiram às pressões do setor nascente e impuseram inúmeras travas e obrigações de transparência para a interação entre usuários e máquinas. No Brasil, onde um projeto de lei sobre o assunto tramita a passos de cágado no Congresso Nacional, espera-se convicção similar.

As normas consagradas pela União Europeia (UE) vão muito além das adotadas pelos Estados Unidos e pela China. Todos esses arcabouços legais certamente sofrerão ajustes e atualizações em prazo mais curto do que o vislumbrado neste momento, dada a velocidade espantosa de desenvolvimento da IA. No caso europeu, ao contrário da crítica de empresas do setor de que a nova legislação é abrangente demais, os órgãos de controle a consideraram insuficiente. O que está no papel, entretanto, parece ser um bom começo.

A lei sobre inteligência artificial deverá entrar em vigor somente depois de aprovada pelos Parlamentos dos países do bloco. Suas regras refletem uma preocupação ética com a potencial disseminação de desinformação, preconceitos e discursos de ódio por meio de conteúdos produzidos pela IA. A possibilidade de manipulação das opiniões e escolhas dos cidadãos europeus foi outro risco a ser levado em conta.

Entre suas normas estão a obrigatória rotulagem de qualquer texto, áudio ou imagem produzido por IA e a exibição dos materiais que serviram de base para a produção do conteúdo final. As pessoas podem até vir a considerar real e de origem essencialmente humana uma informação que, na verdade, foi parida por uma máquina. Mas as chances de chegar a essa conclusão serão reduzidas com os alertas e os dados adicionais exigidos pela UE. Tais regras de transparência são especialmente relevantes no modelo de inteligência artificial generativa, como o disponível desde o ano passado pelo ChatGPT, que permite a elaboração de conteúdos tão coerentes como os realizados por humanos.

A legislação, entretanto, vai além e abarca a preservação da integridade e dos direitos básicos de cada cidadão europeu. O uso de sistemas de IA para criar bases de dados de reconhecimento facial foi proibido. Da mesma forma, estão vetados os instrumentos para a exploração de vulnerabilidades humanas, como a captação de emoções das pessoas em escolas e locais de trabalho.

A inclusão de regras contra ameaças já identificadas do uso da IA sobre as instituições nacionais e do bloco europeu também visa a defender o cidadão. Em uma de suas principais decisões, os legisladores determinaram a necessária supervisão humana quando ferramentas de alto risco forem utilizadas na educação, nas eleições, nos processos judiciais, nos procedimentos de imigração e nos serviços públicos e privados.

O salto a ser observado na economia mundial pela adoção da IA parece não ter precedentes na história da humanidade. O Bank of America estima uma contribuição de US$ 15 trilhões dessa tecnologia ao Produto Interno Bruto (PIB) mundial até 2030, o que justifica a competição de potências no setor. Ao aprovar barreiras legais ao uso dessa ferramenta em seu território, a União Europeia obviamente mostrou-se ciente de que seus ganhos econômicos podem ser mais limitados do que em outras partes do mundo.

Deixar de ganhar, nesse caso, é justificável e exemplar. Já a exposição de cidadãos, de serviços públicos e das instituições democráticas aos eventuais malefícios da nova tecnologia, ao contrário, seria intolerável. Não se espera que, no Brasil, os legisladores se limitem a copiar e colar a legislação europeia sobre a IA ou qualquer outra em vigor. Mas, por suas claras prioridades, será indispensável o estudo do caso europeu no processo de construção de um arcabouço legal sobre inteligência artificial que defenda os cidadãos brasileiros e sua democracia.

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