Um dos destaques da cúpula do Mercosul feita em Assunção, as discordâncias das agendas de Brasil e Argentina voltaram a ficar evidentes nas falas do presidente Lula (PT) nesta segunda-feira (8).
Segundo expressou a chanceler argentina, Diana Mondino, que chefia a comitiva de seu país na ausência do presidente Javier Milei, até aqui esse encontro falhou em conseguir uma resolução de consenso final. “Um elefante na sala”, descreveu ela. O debate acalorado era esperado.
Em sua fala, Lula disse que “apagar a palavra gênero de documentos só aumenta a violência que vivem mulheres e meninas todos os dias”. É um recado aos pares argentinos, que sob a diplomacia de Milei, têm buscado apagar menções à paridade entre homens e mulheres de resoluções de fóruns internacionais.
Lula também pediu que seus pares não apequenem o Mercosul. Justamente em um momento no qual a presidência rotativa do bloco sul-americano, o Paraguai, afirma que órgãos como este vivem um momento de fadiga, nas palavras do presidente Santiago Peña.
“Não nos cabe apequenar o Mercosul com propostas simplistas que o debilitam institucionalmente”, frisou Lula. Ainda assim, o petista fez um aceno às diferenças. “Pensar igual nunca foi critério para as tarefas do bloco. A diversidade de opiniões é bem-vinda.”
Em seus acenos externos, celebrou as vitórias da esquerda no Reino Unido e na França e voltou a falar da guerra em Gaza, que descreveu como uma “matança indiscriminada de mulheres e crianças”.
Ele também voltou a manifestar solidariedade a Luis Arce, presidente da Bolívia, após a tentativa frustrada de golpe no país. “Falsos democratas tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários. Enquanto nossa região seguir entre as mais desiguais do mundo, a instabilidade política seguirá ameaçada. Democracia e desenvolvimento andam lado a lado.”
O brasileiro também pediu fortalecimento de braços sociais do Mercosul e do Parlasul, o Parlamento do Mercosul. Essas duas áreas estão no foco da Casa Rosada, que abertamente diz querer reduzi-las em estrutura e orçamento.
Lula também levantou a bandeira do Focem, o Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul, um braço do bloco que ajuda os países menos desenvolvidos (Uruguai e Paraguai) em obras de infraestrutura. Os argentinos dizem realizar uma “profunda revisão interna” do tema, o que preocupa seus pares.
“O Focem permanece um instrumento-chave para redução das nossas disparidades e assimetrias”, afirmou Lula. “Cabe aproveitá-lo em todo o seu potencial. O Brasil terminou sua dívida com o fundo e agora já selecionamos oito iniciativas no valor de US$ 70 milhões, como mobilidade urbana e apoio a aldeias indígenas, para apoiar.”
Buenos Aires vem pleiteando um racionamento do orçamento do Mercosul. Mondino reforçou o pedido. Solicitou agilidade nas decisões do país e um “uso prudente” do dinheiro, “uma reforma integral da estrutura institucional do Mercosul”.
“Deixemos de ser um Mercosul pequenininho e ensimesmado.”
O afago argentino aos uruguaios ao manifestar nesta cúpula que está aberto a acordos bilaterais de livre-comércio por fora do bloco não foi suficiente, mostrou a cúpula. O presidente Luis Lacalle Pou mostrou descontentamento com a ausência de Milei, que em atrito com Lula e com o boliviano Arce, novo membro do bloco, decidiu não comparecer e preferiu ir a um evento conservador no Brasil, em agenda não oficial.
“Vemos uma mudança de visão na Argentina, que é muito importante; vejo ainda que o Brasil expressa possibilidade de se abrir”, começou o uruguaio. E seguiu: “Mas não apenas importa a mensagem. É muito importante o mensageiro. Se o Mercosul é tão importante assim, deveríamos estar todos os presidentes aqui. Eu coloco importância no Mercosul.”
Lacalle Pou, que em breve deixa a Presidência do Uruguai o país tem eleições no segundo semestre, defende um acordo de livre-comércio com a China. Para Brasília, isso enfraqueceria o Mercosul.