Uma das principais razões desse boom, em escalada exponencial, está ligada a Gen Z: a faixa etária tem feito da bebida sua mais nova queridinha.
Avaliado globalmente em US$ 8,85 bilhões, o mercado de bourbon tem potencial de crescer mundialmente, mais especificamente a uma taxa anual de 6,7%, até chegar a US$ 11,3 bilhões em 2029, calcula a empresa de pesquisa de mercado The Business Research Company. O Brasil desempenha um papel relevante nesta ascensão.
Uma das principais razões desse boom, em escalada exponencial, está ligada a Gen Z: a faixa etária tem feito do bourbon seu mais novo queridinho. “O jovem que quer experimentar uísque não começa com scotch, com fama de mais sisudo. O bourbon é mais palatável, combina com um momento de churrasco com os amigos. É bem versátil”, explica Lizandra Freitas, diretora geral na América Latina da Suntory Global Spirits, grupo que controla o rótulo Jim Beam. “A marca triplicou de tamanho no país de três anos para cá”.
Naturalmente mais adocicado e suave no paladar por causa da maior concentração de milho (é preciso ter 51% ou mais do cereal para ser tipificado como bourbon), esse tipo de uísque caiu nas graças de quem nem se interessava pela categoria. O consumo é visto tanto on the rocks quanto em coquetéis, diz Lizandra. “Percebemos até pessoas pegando drinks clássicos de vodka ou gin, como o Fitzgerald, e os fazendo com bourbon”.
Guinada à brasileira
Antes escasso em rótulos do destilado americano, as empresas de bourbon notaram o potencial do mercado brasileiro e hoje buscam uma fatia do setor. “Vemos esse crescimento devido à movimentação das marcas, desde as maiores até as pequenas, mais premium: todas elas estão trazendo o seu bourbon para o Brasil, já que somos um mercado grande. Isso colabora bastante para o crescimento da categoria”, conta Sylas Rocha, bartender, dono do bar The Door e um apaixonado confesso por uísque.
A mixologista Stephanie Marinkovic afirma que a popularização do uísque pode ser notada, em geral, em São Paulo. No Fifty Fifty, ela diz que coquetéis com bourbon saem bastante do seu balcão. Entre os motivos da onda do uísque americano, especialmente impulsionado pela coquetelaria, o principal tem a ver com sabor: ele agrega uma camada diferente, e “os drinks ganham uma nova dimensão”, afirma a diretora da Suntory.
No bolso, o resultado também é agradável: “O bourbon entrega mais intensidade e uma potência de sabor maior com um custo-benefício excelente; um drink potente de scotch é bem mais caro”, completa Sylas.
Maurício Porto, sócio do bar especializado Caledonia Whisky & Co., em São Paulo, também afirma ter notado um crescimento “considerável” na oferta de bourbons premium no Brasil. “Isso na verdade me parece até um movimento de resposta da indústria. Desde antes da pandemia, havia interesse em whiskies americanos mais exclusivos”, diz ele.
Crescimento acelerado do bourbon
Neste sentido, importadoras passaram a investir em bourbons e ryes mais raros, “que não são tão fáceis de achar até nos EUA”, conta Porto. O resultado é um mercado nacional mais competitivo. “Antes o bourbon mais caro à venda oficialmente no Brasil custava em torno de R$ 250. Hoje temos opções que superam os R$ 600”, observa. “São várias novas opções, que tornam nosso mercado muito mais eclético, e permitem que o entusiasta trilhe um caminho de descoberta, do mais simples para o mais sofisticado”.
“O Brasil é onde a Jim Beam mais cresce no mundo hoje”, afirma Lizandra Freitas. “A marca triplicou de tamanho no país de três anos para cá”, completa.
Saborizados?
Outra categoria promissora no Brasil são os rótulos saborizados – como de maçã verde ou mel –, que abrem novas possibilidades de consumo da categoria: “Eles são ideais para beber puro, ou misturar com refrigerante ou água tônica e pronto: você já tem um coquetel legal, mas super simples de fazer em casa. Os jovens adoram isso”, afirma Lizandra.
“Os flavors entram no mercado para atingir outro percentual de consumidor, que não é o mesmo que tomaria uísque”, afirma Sylas. “É um público paralelo, renovado, que quer coisa nova. Eu vejo esses saborizados crescendo cada vez mais para essa geração mais nova, pelo menos”.
No começo do ano, a tradicional Ballantine’s lançou no Brasil o rótulo Sunshine, a versão com abacaxi do uísque escocês. Nos EUA, uma das marcas de destilados com crescimento mais rápido da década é um uísque de pasta de amendoim, o Skrewball – hoje entre os uísques saborizados mais vendidos do país, ao lado do Fireball, de canela.
Os números justificam o investimento: a fatia de uísques saborizados valia US$ 30,8 bilhões no mundo em 2024, segundo relatório da Market Business Insights. Até 2035, ela deve crescer a um ritmo de 6,8% ao ano. Por que? A categoria conquistou de vez os jovens e os novos consumidores de uísque, impulsionados pela busca por experiências mais leves e criativas. Versões prontas para beber, como os coquetéis enlatados, também crescem, combinando praticidade com o apelo social de um consumo mais descontraído.
Herança familiar na garrafa
O americano Fred Noe, há poucos dias, esteve em São Paulo para promover o lançamento do Jim Beam Black Cherry, o primeiro uísque bourbon de cereja a ser comercializado no mercado nacional. Aos 68 anos, o especialista quebrou em terras brasileiras seu hiato de cinco anos sem viajar internacionalmente, depois de problemas de saúde.
Quem apertou sua mão, não apenas estava diante de uma lenda viva do mundo do uísque, mas de uma dinastia familiar de 230 anos que produz o bourbon mais consumido do planeta. Bisneto do homem que dá nome ao Jim Beam, Fred é o Master Distiller e sétima das oito gerações da família envolvida na produção do destilado, hoje o estilo mais comum de uísque produzido nos EUA.
O peso de ter o nome da sua família estampado no rótulo moldou a forma como Fred conduziu os negócios. A maior das suas preocupações sempre foi apenas uma: ter a certeza de que estava engarrafando algo que seu tatatataravô, o fundador do negócio dois séculos atrás, teria orgulho. “É preciso respeitar o que as outras gerações já fizeram. Não existe pressão de mudar, apenas de proteger”.
Desde que assumiu a liderança da destilaria após a morte do pai, em 2004, Fred se dedica a manter a integridade da receita original criada em 1795. A receita segue fiel: a levedura usada é a mesma criada por Jim Beam em sua própria casa, no século 18, cultivada até hoje na destilaria, Fred se orgulha ao falar. A água usada vem de fontes calcárias, em uma área sem desenvolvimento urbano, e todos os grãos são rigorosamente verificados para assegurar qualidade e consistência.
Agora, ele vivencia o que seu pai e seu avô viveram com ele: a passagem de bastão para seu filho, Freddie Noe, de 36 anos, em um processo que garante à marca mais um capítulo de continuidade. “Nunca houve a pressão dele seguir por esse caminho. Eu digo: não tente ser como eu ou o seu avô. É a sua jornada, aproveite”.