Em abril de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF), por decisão do ministro Gilmar Mendes, determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutem a licitude da contratação de trabalhadores autônomos ou pessoas jurídicas (PJs) para prestação de serviços, prática conhecida como pejotização. A medida, vinculada ao Tema 1389 de repercussão geral, busca uniformizar o entendimento jurídico sobre o tema, mas reacende um debate crucial sobre os impactos dessa prática no mercado de trabalho, nas relações trabalhistas e no sistema previdenciário brasileiro.
O que é a Pejotização?
A pejotização é a prática em que empresas contratam trabalhadores como pessoas jurídicas, geralmente por meio de um Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), em vez de formalizá-los como empregados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Essa modalidade é comum em setores como tecnologia, saúde, advocacia, logística e construção civil, onde profissionais como corretores, médicos, advogados, entregadores e pedreiros são contratados como PJs ou Microempreendedores Individuais (MEIs). Na prática, a pejotização permite que empresas evitem encargos trabalhistas, como férias, 13º salário, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e contribuições previdenciárias plenas, transferindo esses custos ao profissional contratado.
Impactos no mercado de trabalho
A pejotização tem transformado o mercado de trabalho brasileiro, trazendo benefícios e riscos. Por um lado, ela é vista como uma modernização das relações trabalhistas, oferecendo maior flexibilidade aos profissionais. A ausência de subordinação direta, a liberdade de horários e a possibilidade de atender múltiplos clientes atraem trabalhadores qualificados, como programadores e consultores, que preferem atuar como PJs para maximizar ganhos e autonomia. Em setores como a construção civil, pedreiros e serventes muitas vezes optam por trabalhar na “diária”, recebendo valores superiores aos salários formais, o que é vantajoso no curto prazo.
Por outro lado, a pejotização frequentemente mascara relações de emprego, configurando uma prática que pode ser considerada fraudulenta. Quando há subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade, elementos típicos de um vínculo empregatício, a contratação como PJ pode ser questionada judicialmente.
Isso expõe empresas a um elevado risco de passivo trabalhista, já que trabalhadores podem buscar na Justiça do Trabalho o reconhecimento de direitos negados, como FGTS, férias e verbas rescisórias. Em 2024, a Justiça do Trabalho registrou mais de 285 mil processos relacionados ao reconhecimento de vínculo empregatício, evidenciando a escala do problema.
Riscos ao sistema previdenciário
Um dos maiores impactos da pejotização recai sobre o sistema previdenciário. Diferentemente dos empregados celetistas, que contribuem com alíquotas progressivas para a Previdência Social, os trabalhadores pejotizados, especialmente os MEIs, pagam contribuições mínimas, muitas vezes insuficientes para garantir benefícios robustos, como aposentadorias ou auxílios por invalidez.
Estima-se que cerca de 18 milhões de brasileiros estejam pejotizados, muitos via MEI, o que compromete a arrecadação previdenciária. Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), entre 2018 e 2023, a pejotização resultou em uma perda arrecadatória superior a R$ 89 bilhões, com projeções de até R$ 384 bilhões anuais caso metade da força de trabalho formal migre para esse modelo. Essa redução ameaça a sustentabilidade da Previdência Social e a capacidade do Estado de financiar políticas públicas essenciais.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) alertou o STF sobre as “consequências nefastas” da legalização irrestrita da pejotização, destacando que trabalhadores de maior renda, frequentemente pejotizados, deixam de contribuir com Imposto de Renda e encargos previdenciários, ampliando o déficit fiscal. Além disso, a prática prejudica a organização coletiva dos trabalhadores, dificultando negociações sindicais por melhores condições salariais e laborais.
O Papel do STF e o Tema 1389
O Tema 1389 do STF, instaurado no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.532.603, aborda três questões centrais: a competência da Justiça do Trabalho para julgar casos de suposta fraude na pejotização, a licitude da contratação de PJs ou autônomos para prestação de serviços e o ônus da prova em processos que questionam a existência de vínculo empregatício. A suspensão dos processos, determinada por Gilmar Mendes, reflete a necessidade de harmonizar decisões judiciais, já que a Justiça do Trabalho frequentemente reconhece vínculos empregatícios em casos que o STF considera alinhados à liberdade contratual.
A decisão do STF, ainda sem data para julgamento, terá efeito vinculante em todo o Judiciário, podendo redefinir o futuro das relações trabalhistas no Brasil. Para críticos, como a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a legalização ampla da pejotização pode legitimar fraudes trabalhistas, precarizar o trabalho e aprofundar desigualdades sociais. Já defensores, incluindo setores empresariais, argumentam que a prática é essencial para a competitividade econômica, permitindo modelos contratuais mais flexíveis e adaptados à economia moderna.
Desafios e Perspectivas
Enquanto o STF não julga o mérito do Tema 1389, empresas devem adotar cautela, revisando contratos para garantir autonomia real aos prestadores de serviços e evitar práticas que caracterizem subordinação. Para trabalhadores, é crucial avaliar os riscos de curto e longo prazo da pejotização, como a perda de direitos trabalhistas e a fragilidade previdenciária. O debate exige um equilíbrio entre a modernização das relações de trabalho e a preservação de direitos fundamentais, assegurando que a flexibilização não se traduza em precarização.
A decisão do STF será um marco para o mercado de trabalho brasileiro, definindo se o país avançará rumo a um modelo de relações laborais mais plural e dinâmico ou se enfrentará o risco de uma “nação de pejotizados”, com impactos profundos na proteção social e na justiça trabalhista.
Paulo Daniel Donha
É advogado desde 2010, inscrito na OAB/SP 321.164 e OAB/TO 12.061-A. Especialista em Direito do Trabalho, com ampla experiência na atuação preventiva e contenciosa, assessorando empresas e trabalhadores em diversas demandas judiciais e extrajudiciais. Possui sólido histórico na condução de processos trabalhistas, elaborando estratégias eficazes e alcançando resultados expressivos em litígios de alta complexidade. Destaca-se pela abordagem personalizada e pelo compromisso com a excelência técnica.