Comércio brasileiro com Venezuela desaba após sanções e queda do petróleo

Com as incertezas após as eleições na Venezuela, uma nova piora na economia local pode fazer com que o já minguado comércio com o Brasil caia ainda mais, com redução nas nossas exportações sobretudo de alimentos.

Em entrevistas recentes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem relembrado que o saldo da balança comercial (a diferença entre exportações e importações) já foi favorável ao Brasil em mais de US$ 4 bilhões.

Ele se referia a resultados em seu segundo mandato e no primeiro de sua sucessora, Dilma Rousseff. Nos últimos anos, o cenário se transformou.

O comércio entre os dois países desabou, com ondas de escassez de combustível que desaceleraram a economia vizinha e contribuíram para a falta de bens básicos, como alimentos e medicamentos.

Em duas décadas, a Venezuela caiu de 15º destino das exportações brasileiras para o 48º lugar em 2023. O saldo se mantém positivo para o Brasil, mas em um patamar bem menor: de US$ 740 milhões em 2023 e US$ 398,9 milhões de janeiro a julho de 2024.

Nos sete primeiros meses deste ano, os venezuelanos venderam ao Brasil, principalmente, fertilizantes (45%), alumínio (22%), álcoois e derivados (16%) e produtos residuais de petróleo (8%).

No sentido oposto, o Brasil exportou, sobretudo, açúcares e melaços (15%), produtos comestíveis e preparados em geral (15%), óleos vegetais (10%), milho (9,3%) e arroz (4,8%).

“O comércio com eles ficou menos seguro. Antigamente, o exportador brasileiro tinha garantias quando vendia para a Venezuela”, lembra o presidente-executivo da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro.

“Há cerca de oito anos, o exportador exigia pagamento antecipado e, com isso, eliminava o risco de calote. O problema é que hoje o país não tem divisas, pela queda drástica da produção de petróleo.”

A produção de petróleo bruto da Venezuela teve uma média de 884 mil bpd (barris por dia) no primeiro semestre de 2024 —15% acima do mesmo período de 2023, mas bem abaixo dos 3 milhões de bpd do pico antes do chavismo, em 1997, ou dos 2,4 milhões de bpd, há dez anos.

A falta de investimentos, o êxodo de trabalhadores qualificados e os erros de gestão são apontados como alguns dos motivos que levaram a uma perda de cerca de dois terços da capacidade de produção.

A tendência, segundo Castro, é de um cenário economicamente complexo. Se a produção de petróleo continuar baixa, a falta de divisas para comprar produtos vai permanecer.

“Os importados acabam sendo escolhidos pelo Estado. Para o Brasil, pode mudar algo se o governo resolver deixar de comprar os nossos produtos.”

A economia venezuelana também sofreu um baque, quando o barril do petróleo desvalorizou-se cerca de 60% —em junho de 2014, valia US$ 115; em janeiro de 2015, o valor era de US$ 47. Depois, o aperto das sanções internacionais diluiu parte dos efeitos da recuperação da commodity.

Nos últimos anos, os venezuelanos foram alvo de barreiras impostas por diversos países, por acusações de corrupção e de violação de direitos humanos direcionadas ao governo.

O período mais severo das sanções foi após o pleito de 2018, em que Maduro foi reeleito, coincidindo com o governo de Donald Trump, nos Estados Unidos.

“Eles nos fizeram perder 99% de nossa receita”, disse Maduro, ao criticar as sanções. “[Ainda assim,] nenhuma escola ou universidade foi fechada, nenhum programa social foi cancelado.”

Com Joe Biden, houve um alívio dessas medidas, mirando a eleição de 2024 e como efeito colateral das restrições comerciais impostas à Rússia, após a Guerra da Ucrânia.

O afrouxamento trouxe um alívio na economia. A inflação mensal em julho foi de 0,7%, o menor patamar desde 2008, de acordo com dados divulgados pelo banco central do país. Em 12 meses, a taxa gira em torno de 44%.

Mas agora, a Venezuela flerta novamente com o isolamento por meio de um novo conjunto de sanções após o pleito do dia 28 de julho.

Ele terminou com a declaração de vitória de Nicolás Maduro e denúncias de fraude por parte de líderes da oposição, que dizem que o verdadeiro vencedor foi Edmundo González.

Respondendo à falta de transparência do processo eleitoral, em abril, o Departamento de Estado norte-americano anunciou a expiração da chamada Licença Geral 44, uma permissão mais ampla para operações no setor de petróleo e gás da Venezuela.

O governo dos EUA se comprometeu, então, a emitir licenças individuais que permitem investimentos, exportações e importações de petróleo, exploração e negociação de contratos e pagamentos.

Após a mudança, os Estados Unidos receberam até 50 pedidos de licenças individuais de empresas.

Mesmo quando as sanções ao petróleo foram relaxadas, a PDVSA (a estatal Petróleos de Venezuela) usava intermediários para exportar seu óleo bruto, mecanismo que exigia grandes descontos de preço.

Uma licença concedida à norte-americana Chevron em 2022 permanece em vigor. Além da francesa Maurel & Prom, a espanhola Repsol teve autorização para manter e expandir operações.

De acordo com a imprensa internacional, as medidas que agora são consideradas pelos norte-americanos incluem sanções individuais a funcionários, como proibições de viagem aos Estados Unidos.

Isso poderia mais tarde escalar para outros tipos de penalidades que atingiriam o setor financeiro e o de energia.

O futuro das sanções também está entrelaçado ao resultado das eleições nos Estados Unidos —a tendência é de diálogo, em caso de vitória da democrata Kamala Harris, e de confronto, com uma volta de Trump à Casa Branca.

Por outro lado, Rússia e Irã têm sido aliados importantes do governo venezuelano, garantindo financiamento e importações e mantendo uma parceria comercial nas exportações. Já a China não interrompeu as importações da Venezuela e rapidamente reconheceu Maduro como vencedor da eleição.

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